O Flamengo se aproxima de um marco inédito no futebol brasileiro: a projeção para encerrar 2025 com uma receita superior a R$ 2 bilhões em uma única temporada. Este feito notável é impulsionado por premiações recentes e pela consolidação de um modelo de gestão financeira robusto e consistente nos últimos anos. A magnitude da arrecadação rubro-negra reacende o debate sobre a concentração econômica no cenário esportivo nacional e suas implicações nas competições.
A ascensão financeira do clube tem gerado discussões acaloradas. Alex Leitão, CEO do Grêmio, manifestou sua preocupação sobre a abordagem do Flamengo nas negociações de direitos comerciais. Em entrevista, ele comparou a estratégia defendida pela diretoria flamenguista à dinâmica da Bundesliga alemã, onde o Bayern de Munique historicamente domina o cenário.
“O que o presidente do Flamengo almeja é que o Campeonato Brasileiro se assemelhe à Bundesliga, com o Flamengo assumindo o papel de protagonista, similar ao Bayern de Munique, e conquistando a maioria dos títulos. É um objetivo legítimo”, declarou Leitão, ressaltando a ambição do clube carioca.
Os números solidificam a base dessa discussão. A projeção inicial do Flamengo para 2025 era de R$ 1,8 bilhão, mas os recentes triunfos na Copa Libertadores e na Copa Intercontinental elevaram essa expectativa. O clube já havia quebrado a barreira do R$ 1 bilhão em faturamento anual em 2022, repetindo o feito nos anos seguintes. Em 2024, apenas Corinthians e Palmeiras também alcançaram essa marca, com o clube paulista projetando um faturamento de R$ 1,6 bilhão para 2025, o maior de sua história.
A análise sobre o domínio financeiro vai além do volume de arrecadação. Guilherme Bellintani, ex-presidente do Bahia e atual CEO da Squadra Sports, aponta a gestão como o diferencial crucial. “A distinção fundamental no futebol brasileiro não reside na estrutura societária (SAF vs. modelo associativo), mas sim na qualidade da gestão. Existem quatro categorias: SAF bem administrada, SAF mal administrada, clube associativo bem administrado e clube associativo mal administrado. O Flamengo exemplifica a combinação de vastos recursos com uma organização eficiente”, pontuou.
Bellintani destaca que a trajetória de Flamengo e Palmeiras na reestruturação financeira começou há aproximadamente uma década. “Ambos os clubes, como o Palmeiras, iniciaram um processo de transformação há cerca de dez anos, optando por sacrificar títulos imediatos e evitar gastos impulsivos. Eles se reorganizaram, reduziram ou quitaram dívidas e investiram em suas categorias de base e infraestrutura”, explicou.
O executivo projeta um aprofundamento dessa tendência nos próximos anos. “Há uma clara tendência de que os clubes de maior porte e bem organizados no país continuem a dominar e ampliem essa supremacia. Embora o futebol seja imprevisível, o cenário atual aponta nessa direção”, afirmou Bellintani, atribuindo a superioridade de clubes como o Flamengo a dois pilares: “tamanho econômico e organização, com finanças equilibradas e estrutura fortalecida”.
A discussão também abrange os aspectos de governança e profissionalização. Moises Assayag, sócio-diretor da Channel Associados e especialista em finanças esportivas, vincula o sucesso recente do Flamengo a um conjunto mais amplo de fatores. “O destaque do Flamengo no cenário nacional e internacional está intrinsecamente ligado às suas receitas, mas não é o único fator determinante. Estamos falando de uma gestão que se tornou um paradigma no futebol brasileiro, especialmente no que diz respeito à profissionalização e às melhores práticas de governança”, ressaltou.
O especialista relembra que os resultados atuais são fruto de decisões estratégicas tomadas durante um período de ajuste financeiro. “O caso do Flamengo é bastante elucidativo. O clube optou por não montar equipes de ponta por alguns anos, com o objetivo de reduzir sua dívida e equilibrar suas contas”, disse Assayag.
Ele complementa: “Somente após alcançar um orçamento mais estável e recuperar sua capacidade de geração de caixa, o clube começou a mirar objetivos esportivos mais ambiciosos. Foi um caminho mais árduo, mas o Flamengo demonstrou que, a médio e longo prazo, essa estratégia é recompensadora”.
O reconhecimento internacional também acompanha essa evolução. Recentemente, Flamengo e Palmeiras foram indicados ao prêmio de melhor clube do mundo no Globe Soccer Awards, competindo com gigantes como Bayern de Munique, Barcelona, Chelsea e PSG. O vencedor será definido por voto popular e por um júri especializado, com a cerimônia de premiação prevista para 28 de dezembro, em Dubai.
Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, descreve a lógica econômica por trás desse cenário. “Clubes com melhor administração, a longo prazo, tendem a gerar mais receitas e otimizar custos. Com um superávit maior, eles conseguem formar equipes mais fortes, o que resulta em mais premiações e receitas de transferências, criando um ciclo virtuoso”, explicou. Ele conclui que, embora jogos individuais sejam imprevisíveis, o desempenho agregado de um clube bem gerido é consistente.
Nessa mesma linha, Thales Rangel Mafia, gerente de marketing da Multimarcas Consórcios, considera o Flamengo um case avançado de monetização de marca. “Trata-se de um estudo de caso exemplar na exploração comercial da paixão. A austeridade e a transparência atraem marcas globais, viabilizando investimentos em elencos de nível europeu, o que configura um ciclo virtuoso: a gestão gera receita, que permite a contratação de qualidade técnica, que, por sua vez, valoriza ainda mais a marca e atrai novos investidores”, afirmou Mafia.