As últimas semanas marcaram um período de intensa turbulência para a figura central da extrema-direita brasileira nos últimos anos. Jair Messias Bolsonaro (PL) encontra-se sob prisão preventiva em decorrência de investigações que apuram uma tentativa de golpe de Estado, articulada entre 2022 e 2023, após sua derrota eleitoral para Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com as apurações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público, o então presidente e seus aliados, incluindo figuras civis e militares, teriam orquestrado planos para impedir a transição de governo. As ações investigadas incluem a intenção de prender autoridades, o fechamento de instituições democráticas e até mesmo cogitar o assassinato de figuras proeminentes como o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
As articulações que culminaram nas investigações foram gradualmente reveladas ao longo de 2023 e no início de 2024, em desdobramentos de apurações sobre atos antidemocráticos, o uso indevido da máquina pública contra o sistema eleitoral e o envolvimento de auxiliares próximos, como o ex-ajudante de ordens Mauro Cid. A cronologia dos fatos é fundamental para entender o cenário atual.
Fevereiro de 2024: Início da Operação Tempus Veritatis
Um marco crucial ocorreu em 8 de fevereiro de 2024, com a deflagração da Operação Tempus Veritatis pela Polícia Federal, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A operação teve como alvo Bolsonaro e um grupo de ex-ministros e militares de alta patente, investigando a formação de uma organização criminosa com o objetivo de perpetrar um golpe e abolir o Estado Democrático de Direito.
Naquele dia, mandados de busca e apreensão foram cumpridos, incluindo contra o ex-presidente, que teve seu passaporte apreendido. Moraes impôs a Bolsonaro a proibição de deixar o país e de manter contato com outros investigados. A operação teve como base a delação premiada de Mauro Cid, que detalhou reuniões, minutas de decretos golpistas e tentativas de mobilizar setores das Forças Armadas.
Poucos dias depois, em 22 de fevereiro de 2024, Bolsonaro prestou depoimento à PF no âmbito do inquérito que apurava a tentativa de golpe, negando qualquer envolvimento em planos de ruptura institucional.
Ainda em fevereiro, o ex-presidente passou dois dias na Embaixada da Hungria em Brasília. O episódio foi interpretado por investigadores como uma possível simulação de pedido de asilo e uma estratégia para evitar uma eventual prisão, dadas as proteções internacionais conferidas às sedes diplomáticas.
Com a análise aprofundada dos materiais apreendidos na Tempus Veritatis, novos documentos, mensagens e planos golpistas vieram à tona. A PF consolidou o entendimento de que houve uma articulação prolongada com o intuito de impedir a posse de Lula e deslegitimar o resultado das eleições.
Novembro de 2024: O Indiciamento Formal
Em novembro de 2024, a PF encerrou o inquérito principal sobre a tentativa de golpe. O relatório final indiciou Bolsonaro e outros 36 investigados, incluindo ex-ministros, militares e operadores políticos, como membros de uma organização criminosa responsável pelo planejamento e instigação da ruptura institucional, além de atuar na preparação para os eventos de 8 de janeiro de 2023.
Paralelamente, outra operação da PF, denominada Contragolpe, desvendou o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes para inviabilizar a posse do governo eleito. Parte dos envolvidos nesta trama já havia sido alvo da Operação Tempus Veritatis, reforçando a conexão entre os diferentes núcleos do plano golpista.
Março de 2025: Denúncia da PGR e Acusação Formal no STF
Com base no relatório da PF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou, em março deste ano, uma denúncia ao STF contra Bolsonaro e outros envolvidos. A acusação o classificou como líder de uma organização criminosa armada e responsável pela tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração de bem tombado, em referência aos atos de depredação nas sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.
A denúncia foi aceita pela Corte, dando início à ação penal que, meses depois, resultaria na primeira condenação criminal de um ex-presidente brasileiro por tentativa de golpe.
Agosto de 2025: Prisão Domiciliar e Monitoramento Eletrônico
Enquanto o processo avançava, Bolsonaro acumulou medidas cautelares em outros inquéritos relacionados à disseminação de ataques ao STF e à ordem democrática. Em 4 de agosto de 2025, o ministro Alexandre de Moraes determinou sua prisão domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica, além da apreensão de celulares e restrição a visitas. A decisão foi motivada pela constatação de que o ex-presidente descumpria ordens judiciais ao continuar utilizando redes de aliados para incitar hostilidades contra as instituições.
A medida representou a primeira privação prolongada de liberdade de Bolsonaro, que passou a ser monitorado eletronicamente em sua residência em Brasília.
Setembro de 2025: A Condenação
Em 11 de setembro de 2025, a Primeira Turma do STF condenou Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão, em regime inicial fechado. A pena foi aplicada pelos cinco crimes pelos quais foi denunciado: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. O placar da votação foi de 4 a 1, com os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin votando pela condenação, e Luiz Fux pela absolvição.
Com esta decisão, Bolsonaro tornou-se o primeiro ex-presidente do Brasil a ser condenado por tentativa de golpe de Estado. Além da pena privativa de liberdade, foi-lhe imposta também uma multa e oito anos de inelegibilidade.
Novembro de 2025: Prisão Preventiva e Rompimento da Tornozeleira
Apesar da condenação, Bolsonaro ainda não cumpria a pena em regime fechado, aguardando recursos e decisões finais sobre o início da execução. Contudo, em 22 de novembro de 2025, a situação se agravou drasticamente. A Polícia Federal registrou que a tornozeleira eletrônica utilizada pelo ex-presidente havia sido danificada em sua residência em Brasília, utilizando um ferro de solda. Imagens divulgadas posteriormente mostraram o equipamento visivelmente danificado e queimado.
Diante deste incidente e da convocação de uma vigília de apoiadores em frente ao condomínio por seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o ministro Alexandre de Moraes considerou haver risco concreto de fuga e de obstrução da aplicação da lei penal. Como consequência, o ministro decretou a prisão preventiva do ex-presidente, cumprida na manhã do mesmo dia pela PF, que o conduziu à Superintendência da corporação em Brasília.
No dia seguinte, uma audiência de custódia confirmou a legalidade da prisão e manteve Bolsonaro detido.
Poucos dias depois, na última terça-feira (25/11), a Primeira Turma do STF determinou o início imediato da execução da pena de 27 anos e 3 meses, encerrando a possibilidade de novos recursos no próprio Supremo Tribunal Federal. A decisão estabeleceu que Bolsonaro cumprirá a condenação na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, local onde já se encontrava desde a decretação da prisão preventiva.
Na prática, o ex-presidente permanece no mesmo local, em uma cela equipada com cama, banheiro e mesa, mas agora não mais como preso cautelar. Ele inicia o cumprimento, em regime inicial fechado, da pena imposta pela Corte pela trama golpista. A prisão na sede da PF, quase dois anos após o início das investigações, encerra um ciclo de 653 dias para a responsabilização criminal do ex-mandatário.